sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Verbo Executivo (Paulo Brabo)

Se cada época interpreta a Bíblia à sua própria imagem1, a nossa era é a do Jesus executivo. O maior ícone dessa tendência é best-seller O Monge e o Executivo, de James C. Hunter. Embora recheado de ensinos piedosos e boas intenções, O Monge acaba reduzindo o Filho do Homem a valioso exemplo corporativo. A coisa fundamental que precisamos imitar em Jesus, sugere o livro – e nisso é acompanhado em côro por um longo rosário de obras menores da mesma estirpe – é o seu talento de liderança.

Eu não ousaria discordar de qualquer um que se levanta para exaltar alguma qualidade de Jesus, mas gostaria de ser o primeiro a discordar da noção de que seus “poderes” – de liderança ou de qualquer outra natureza – possam ser usados para outro propósito que não os que ele propôs para si mesmo e para seus seguidores. 

Enxergar Jesus como exemplo de liderança para um executivo moderno é o mesmo que não enxergá-lo. Não estou apenas dizendo que o ensino mais amplo de Jesus é completamente incompatível com a ferocidade do capitalismo dos nossos dias; não vou sequer mencionar que Jesus falava com extrema desconfiança de noções das quais a civilização corporativa depende – coisas como o lucro e a propriedade privada.

“E por que vocês não julgam por vocês mesmos o que é certo?”

Estou apenas falando de liderança. O segredo de Jesus não estava em liderar as pessoas “com amor, dedicação e sacrifício”. Na verdade Jesus não era um líder em qualquer sentido convencional; ele recusou-se consistentemente a assumir qualquer papel de liderança, mesmo quando era pressionado a fazê-lo informalmente. A sua hesitação – e sua visão – sobre liderança está magistralmente encapsulada em Lucas 12:57: E por que vocês não julgam por vocês mesmos o que é certo?

Jesus recusava-se a dar às pessoas a ilusão de segurança que proporcionam ainda hoje os líderes convencionais. Ele sonhava com (e investiu em) seguidores independentes – um séquito de pastores, não de ovelhas. Não é à toa que a maioria achasse que exigir isso era exigir demais.

 
Apesar do cortejo sempre crescente de seguidores que angariava a cada parada, Jesus recusou-se até o final a liderá-los em qualquer grau importante. Ao contrário, deixou claro em mais de uma ocasião que não assumiria o papel de rei, líder militar ou messias vitorioso que seus assessores de marketing tinham preparado para ele. O único empreendimento corporativo de qualquer monta no qual esteve envolvido, “a missão dos setenta”, não recebe maior destaque na narrativa geral dos evangelhos.

As pessoas seguiam Jesus porque ele era irresistível – e o que o tornava irresistível era a singularidade da sua pessoa, da sua visão e do seu caráter. Não havia método secreto, nem mesmo o amor, que ele usasse para levar as pessoas a fazerem o que ele queria.

Finalmente, qualquer que seja a visão que temos de Jesus, a leitura do evangelho deixará muito claro que não temos como abraçar apenas parte do seu espírito. Jesus não era homem de meias-palavras ou de meias-paixões. Não temos nada a ganhar em colocar em prática os princípios de liderança que Jesus aplicou, se ignorarmos ao mesmo tempo o modo como ele viveu.

Acho na verdade difícil imaginar afronta maior.

1 É típico da natureza humana que qualquer pessoa que recebe e transmite tradições importantes enxergue-as na perspectiva que mais faça sentido no contexto do seu meio religioso, cultural, social, econômico e intelectual, que com freqüência não será o mesmo ambiente pressuposto antes disso pela pessoa ou grupo que criaram ou anteriormente transmitiram a(s) tradição(ções). O ambiente da nova pessoa ou novo grupo passa a se tornar, muito compreensivelmente, a única perspectiva importante, naquele momento do tempo, para a interpretação do material recebido.
Allan J. Hauser e Duane F. Watson,
A History of Biblical Interpretation

http://www.baciadasalmas.com/2005/o-verbo-executivo/