Se cada
época interpreta a Bíblia à sua própria imagem1,
a nossa era é a do Jesus executivo. O maior ícone dessa tendência é best-seller O Monge e o Executivo, de James C. Hunter. Embora
recheado de ensinos piedosos e boas intenções, O Monge acaba reduzindo o
Filho do Homem a valioso exemplo corporativo. A coisa fundamental que
precisamos imitar em Jesus, sugere o livro – e nisso é acompanhado em côro por
um longo rosário de obras menores da mesma estirpe – é o seu talento de
liderança.
Eu não
ousaria discordar de qualquer um que se levanta para exaltar alguma qualidade
de Jesus, mas gostaria de ser o primeiro a discordar da noção de que seus
“poderes” – de liderança ou de qualquer outra natureza – possam ser usados para
outro propósito que não os que ele propôs para si mesmo e para seus seguidores.
Enxergar
Jesus como exemplo de liderança para um executivo moderno é o mesmo que não
enxergá-lo. Não estou apenas dizendo que o ensino mais amplo de Jesus é
completamente incompatível com a ferocidade do capitalismo dos nossos dias; não
vou sequer mencionar que Jesus falava com extrema desconfiança de noções das
quais a civilização corporativa depende – coisas como o lucro e a propriedade
privada.
“E por que vocês não julgam por vocês mesmos o que
é certo?”
Estou
apenas falando de liderança. O segredo de Jesus não estava em liderar as
pessoas “com amor, dedicação e sacrifício”. Na verdade Jesus não era um líder
em qualquer sentido convencional; ele recusou-se consistentemente a assumir
qualquer papel de liderança, mesmo quando era pressionado a fazê-lo
informalmente. A sua hesitação – e sua visão – sobre liderança está
magistralmente encapsulada em Lucas 12:57: E por que vocês não julgam por
vocês mesmos o que é certo?
Jesus
recusava-se a dar às pessoas a ilusão de segurança que proporcionam ainda hoje
os líderes convencionais. Ele sonhava com (e investiu em) seguidores
independentes – um séquito de pastores, não de ovelhas. Não é à toa que a
maioria achasse que exigir isso era exigir demais.
Apesar do
cortejo sempre crescente de seguidores que angariava a cada parada, Jesus
recusou-se até o final a liderá-los em qualquer grau importante. Ao contrário,
deixou claro em mais de uma ocasião que não assumiria o papel de rei, líder
militar ou messias vitorioso que seus assessores de marketing tinham preparado
para ele. O único empreendimento corporativo de qualquer monta no qual esteve
envolvido, “a missão dos setenta”, não recebe maior destaque na narrativa geral
dos evangelhos.
As
pessoas seguiam Jesus porque ele era irresistível – e o que o tornava
irresistível era a singularidade da sua pessoa, da sua visão e do seu caráter.
Não havia método secreto, nem mesmo o amor, que ele usasse para levar as
pessoas a fazerem o que ele queria.
Finalmente,
qualquer que seja a visão que temos de Jesus, a leitura do evangelho deixará
muito claro que não temos como abraçar apenas parte do seu espírito. Jesus não
era homem de meias-palavras ou de meias-paixões. Não temos nada a ganhar em
colocar em prática os princípios de liderança que Jesus aplicou, se ignorarmos
ao mesmo tempo o modo como ele viveu.
Acho na
verdade difícil imaginar afronta maior.
1 É típico da natureza humana que qualquer pessoa que
recebe e transmite tradições importantes enxergue-as na perspectiva que mais
faça sentido no contexto do seu meio religioso, cultural, social, econômico e
intelectual, que com freqüência não será o mesmo ambiente pressuposto antes
disso pela pessoa ou grupo que criaram ou anteriormente transmitiram a(s)
tradição(ções). O ambiente da nova pessoa ou novo grupo passa a se tornar,
muito compreensivelmente, a única perspectiva importante, naquele momento do
tempo, para a interpretação do material recebido.
Allan J. Hauser e Duane F. Watson, A History of Biblical Interpretation
Allan J. Hauser e Duane F. Watson, A History of Biblical Interpretation
http://www.baciadasalmas.com/2005/o-verbo-executivo/