Desisto, não quero mais ser feliz. Procurei a felicidade como um
caçador de borboletas. Armado de redes e binóculos, percorri florestas e
cavernas buscando prender minha libélula, mas acabei frustrado: ela
sempre voava para mais longe de mim.
Desisto, não quero mais ser feliz. Agora, vou contentar-me em
perseguir a justiça. Tocarei minha vida advogando o direito dos meninos
de jogarem pedras em mangueiras e de nadarem em lagoas. Conformado com
minha sorte, protegerei as meninas que brincam de pular corda; elas
nunca deveriam precisar ganhar dinheiro para alimentar a família.
Desisto, não quero mais ser feliz. Vou escancarar as portas do meu
coração para a dor de mães que choram por seus filhos drogados; não
evitarei os esquálidos que morrem de Aids; não virarei meu rosto para
velhinhos que pedem esmolas nos sinais de trânsito. Não desejo continuar
cavando os fossos que me isolam em meu castelo de desejos.
Desisto, não quero mais ser feliz. Não perseguirei a amizade de gente
famosa que, por tanto tempo, acreditei capaz de me fazer sentir
importante. Resignado, procurarei novos amigos. Aceitarei andar ao lado
dos simples, e de conviver com os humildes. Quero aprender a conversar
despretensiosamente.
Desisto, não quero mais ser feliz. Abrirei mão de meus grandes
projetos. Lutei para conquistar objetivos irrealizáveis. Imaginei que
minhas metas se tornariam fontes de alegrias infinitas. Resignado,
desejo viver cada vão momento como sagrado. Transformarei meu almoço
numa liturgia; celebrarei meus encontros solenemente; e cantarei minhas
músicas prediletas como hinos de agradecimento à vida.
Desisto, não quero mais ser feliz. Cansei de defender minha honra,
reputação e posicionamentos – todos, políticos, espirituais e
filosóficos. Abdico de estar certo. De agora em diante, confessarei
abertamente minhas incertezas. Não rolarei na cama, insone com a opinião
de pessoas que desconheço; não retrucarei, quando me sentir atingido.
Estou disposto a aprender o significado daquela declaração divina: “quem
quiser ganhar sua vida a perderá e quem perder sua vida a ganhará”.
Desisto, não quero mais ser feliz. Não tentarei segurar o amor de
quem amo. Deixarei que cada um acerte seu caminho; arriscarei viver com
gratuidade. Preciso acreditar que ninguém me deve coisa alguma. Vou
aventurar-me fazer o bem, e não cobrar nada em troca.
Já que desisti de ser feliz, resta-me seguir por esses caminhos incertos.
Prometo avisar se algum dia a felicidade pousar em meu ombro.
Soli Deo Gloria.
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